Friday, June 06, 2008

Correia de Campos: a insustentável falta de pudor

O ex-Ministro Correia de Campos desempenhou vários cargos públicos, tendo sido Secretário de Estado há já muitos anos, e Ministro da Saúde na década de 90 e mais recentemente com José Sócrates. Ao todo, entre a carreira académica, de consultor e de Governante, perfazem-se dezenas de anos, pelo que ficamos atónitos com várias afirmações do Prof. Correia de Campos!

Há-de ter feito muitas coisas positivas. Fez muitas coisas más. Contudo, parece que não quer arrumar as botas, e sobretudo quer afirmar o seu legado!

Vejamos este conjunto de idéias que deixa, que soam a uma evidente má digestão:
  • O PS demonstrou que é possível e sustentável ter um SNS universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais da população, tendencialmente gratuito.
  • A saúde estava enrolada, estava a ser capturado por toda a gente. Pelos profissionais, que não deixavam tomar nenhuma medida; pelas autarquias, que não deixavam substituir coisa nenhuma; pelos interesses económicos dos produtores de bens e medicamentos. Toda a gente capturava o SNS, o que só terminaria se houvesse dinheiro para toda a gente. Ainda por cima, numa altura de contenção.

Depois, digere ainda pior isto:

  • O Hospital Amadora-Sintra é um caso de escola de duplo erro de regulação. Em 1995, foi feito um contrato muito superficial que os socialistas tiveram de aceitar porque estava assinado. As dúvidas surgiram, aos poucos foi-se corrigindo, mas corre ainda um contencioso que criou uma situação desagradável. Fiz duas reuniões de conciliação entre a minha administração regional e o concessionário.
  • A minha intenção era manter a gestão privada por uma razão: o registo que tínhamos sobre a qualidade da gestão do Amadora-Sintra era bom. Tirando o aspecto negocial, que nos intoxicava as relações e era um problema, respeito a gestão capaz do Amadora-Sintra. É evidente que os governos têm que tomar decisões em função dos seus critérios políticos. O Governo entendeu cessar o contrato e voltar à esfera pública. Já agora, que se tomou uma decisão com esta discussão, em que os privados viram com incerteza as intenções do Governo, que se faça a sério.
  • Se olharmos para um projecto de mil milhões, a construção é 200 milhões e o resto resulta dos dez anos de gestão clínica. Isso teve uma consequência terrível: tornou a negociação um terror, insuportavelmente longa. Vivi isso com o hospital de Cascais, onde negociámos 14 meses. Não é possível. Os próximos até podem ser mais rápidos, porque aquele era o hospital de Lisboa onde havia mais relutância e medo de a administração dar cada passo, e eu próprio fui às reuniões para acelerar o processo.
  • Os privados foram bons, trouxeram exigência. A miscigenação de conhecimento e capital intelectual foi útil, mas o modelo das PPP é muito complexo e traz dois ou três problemas graves. Um deles é a enorme litigância: se um concorrente se sentia ultrapassado, tinha um arsenal de técnicas jurídicas para embargar a decisão da administração. Até que eu chamei as pessoas todas e disse-lhes: «Meus amigos, se querem acabar com a experiência, continuem a encharcar-me de pareceres jurídicos para cujos argumentos não tenho capacidade jurídica ou financeira de resposta. Portanto, parem com isso.» E, verdade seja dita, pararam. Mas aconteceu também outra coisa: num dos concursos mais importantes e volumosos em marcha, surgiu uma decisão preocupante: na fase inicial, verificou-se que um concorrente tinha apresentado uma proposta assinalavelmente mais baixa, mas na fase da licitação a dois, o outro concorrente – que tinha ficado em segundo lugar – apresentou uma redução de mais de 20% da sua proposta.

Os nossos comentários breves:

  1. É engraçado um ex-Ministro da Saúde vir dizer que "a saúde estava a ser enrolada", como se a saúde não continuasse a ser enrolada, por dentro e por fora! Não temos conhecimento que os custos reais da saúde tenham baixado os 10% do PIB, ou que as facturas pendentes de pagamento do SNS tenham diminuído.
  2. O PS demonstrou que o SNS tendencialmente gratuito é sustentável? Aonde, Prof. Correia de Campos? Com "taxas moderadoras de internamento"? Com prazos de pagamento aos fornecedores alargados? Com desorçamentação através de PPP's, em que se verifica a incapacidade do Estado em renovar os decadentes hospitais públicos?
  3. Curioso é que Correia de Campos acaba por atribuir muitos dos resultados alcançados pelo SNS nesta sua última função, à intervenção dos privados na saúde e nomeadamente à experiência do Grupo Mello no Hospital Amadora - Sintra, apesar de José Sócrates os ter escorraçado!
  4. Finalmente, é absolutamente inacreditável um ex-governante vir dizer em público que o Estado português é incapaz de gerir parcerias público - privadas, quer no que se refere à sua negociação, quer ao seu inerente e necessário controlo posterior!

Às vezes, o silêncio é a melhor forma de mantermos o respeito que têm por nós.