Num país em que a investigação em saúde, se restringe quase exlusivamente a áreas conexas com a medicina, é com alguma curiosidade que lemos anualmente o Retalório de Primavera, cuja a autoria é partilhada por investigadores universitários e práticos dos hospitais, sob o nome de Observatório Português dos Sistemas de Saúde.
O Relatório da Primavera 2009 deu à luz há alguns dias. Numa leitura rápida, notamos que este Relatório é bem mais fraco do que alguns de anos transactos, como é o caso do Relatório da Primavera 2008.
Mas, adiante. Na breve leitura que fizemos, encontramos sempre elementos que nos ajudam a "fotografar" a saúde dos portugueses.
Assim, verificamos no Quadro 11, do Relatório 2009, que em 2007, e pela primeira vez, os portugueses contribuiram, do seu bolso, com mais de 30% do total das despesas com a saúde em Portugal. Ou seja, apesar do propalado SNS, tendencialmente gratuito, os portugueses já pagam quase 1/3 das despesas com a saúde, directamente do seu bolso!
Adicionalmente, o Relatório da Primavera 2009, talvez por influência da Professora Ana Escoval, tem um enfoque relevante relacionado com o tema da contratualização. Infelizmente, o ponto da situação referenciado no documento não é muito abonatório para aquilo que se tem feito quanto à contratualização, se não vejamos:
- O processo de contratualização não tem valorizado suficientemente os resultados (na perspectiva de outputs e outcomes). Com efeito, o acto em si é algo vazio de conteúdo que considerado individualmente não significa necessariamente que acrescente valor ao cidadão utilizador.
- A contratualização não tem ainda uma aproximação efectiva à área clínica e segurança do doente, quer no âmbito da garantia do cumprimento das melhores práticas, quer na sua promoção.
- Decorridos alguns anos não temos assistido à adopção de práticas sistemáticas de auditorias, quer administrativas, quer clínicas.
- Apesar de alguma evolução, os sistemas de informação utilizados pela contratualização baseiam-se em dados meramente administrativos (i.e. número de actos) – a componente clínica e o tipo de interacções que o utente tem com o sistema não são alvo de análise;
- O benchmarking produzido pelos departamentos de contratualização e partilhado com os hospitais é diminuto, o que não potencia a disseminação das boas práticas;
- A contratualização não tem assentado numa rigorosa avaliação das necessidades em saúde de determinada população, sendo maioritariamente sustentada pela produção histórica dos hospitais;
- O processo de contratualização praticado com os hospitais não considera componentes que promovam uma melhor interligação entre diferentes níveis de cuidados (nomeadamente, entre os hospitais e os centros de saúde), ou seja, que estimule uma abordagem integral ao doente, mantendo-se em regra uma contratualização/pagamento fragmentados.
Perante tão fartas referências sobre a completa desadequadção da chamada contratualização face à realidade e às necessidades dos doentes e dos contribuintes, porque é que os vários agentes políticos do Ministério da Saúde não se apressam a arranjar alternativas válidas ao sistema de contratualização?